140 anos da família Schünemann no Brasil
Augusto Pestana - 11 de outubro de 2009
Culto de Ação de Graças
Prezados irmãos e irmãs na fé!
Em primeiro lugar quero expressar os meus agradecimentos à comunidade local pela acolhida proporcionada a todos nós neste dia festivo.
Hoje é dia de render graças a Deus pela vida de centenas de pessoas que nos antecederam. Pessoas que fizeram parte de um processo migratório ocorrido há 140 anos atrás. A saída da Pomerânia, na então Alemanha Oriental, para o sul do Brasil faz parte de um fenômeno comum na história humana. Milhões de pessoas migraram ao longo dos séculos e ainda hoje o fazem.
A Secretária da ONU – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - , Sra. Jani Klugman, afirmou nesta semana, por ocasião da divulgação de mais um relatório sobre migrações no mundo, que a mobilidade, o movimento humano é um elemento fundamental do desenvolvimento. Dizia ela que a mobilidade faz parte das liberdades fundamentais do ser humano. O movimento humano seria parte do exercício da sua liberdade.
Sabemos que nem sempre as coisas ditas desta forma são assim na realidade. Existem pessoas que migram de forma voluntária, mas existem inúmeras pessoas que o fazem, levadas por pressões de todo tipo. O deslocamento pode ter motivações políticas e econômicas. Existem pessoas que saem de sua terra natal por causa da falta de liberdade política ou religiosa, mas, em grande parte, o fator que leva à mobilização é o fator econômico. Mesmo as guerras ou catástrofes climáticas tem a ver com o econômico. A busca do pão de cada dia para si e seus filhos move as pessoas. Os nossos antepassados fizeram parte do processo em que milhares de sem-terra ou bóia-frias da Alemanha chegaram ao Brasil. Zigmunt Bauman denomina estes contingentes de sobras ou resíduos humanos.
As pessoas que migram são pessoas que tem as suas crenças religiosas. Em suas expressões culturais, a religião está presente com seus ritos, festas, cânticos e objetos sagrados. Tudo aquilo que dá sentido a sua existência e orienta a sua vida no dia-a-dia está presente nas crenças e nos valores religiosos. Neste sentido as migrações até serviram para a difusão e divulgação de crenças pelo mundo.
Assim foi com o cristianismo em seus inícios. Os deslocamentos e as migrações dentro do império romano ajudaram na propagação da fé cristã para além do Médio Oriente. O mesmo aconteceu, por exemplo, com as religiões orientais pela vinda de japoneses ao Brasil. Ou então acontece com o retorno dos muçulmanos à Europa hoje. A expansão da Assembléia de Deus pelo Brasil tem a ver com o surto migratório decorrente da crise da borracha nos anos 30 do século passado no norte do Brasil. O fluxo migratório seguiu primeiramente até o nordeste, depois chegou ao sudeste e finalmente a todo o país.
E nós, evangélico luteranos, estamos aqui hoje porque as gerações que nos antecederam foram evangelizadas primeiramente há 800 anos. Depois aderiram à Reforma luterana, 450 anos atrás, graças ao trabalho de um colaborador de Lutero chamado Johannes Bugenhagen.
Lembro uma cena da minha infância. Como crianças tínhamos um lugar definido por ocasião das visitas de parentes adultos - o quintal. Mesmo assim achávamos um jeito de acompanhar as conversas dos adultos. Certa vez ouvi uma tia-avó (e tínhamos muitas!) dizer para a minha avó paterna que ela estava sendo abordada seguidamente por uma pessoa adepta das Testemunhas de Jeová. Para colocar fim à situação ela lhe teria dito: “Eu tenho a minha fé. Sou evangélica. Fui batizada. Sei os mandamentos, o credo, o pai-nosso e também sei que Lutero fixou as 95 teses no castelo de Wittenberg. Eu não vou largar a minha igreja!” Esta expressão calou fundo dentro de mim. Uma confissão de fé singela, um testemunho claro e uma identidade religiosa evangélica bem definida.
O cenário atual aponta para diversas identidades cristãs ou religiosas. Esta celebração, nesta comunidade e neste templo, não quer desconsiderar ou desrespeitar nenhuma delas. Se descendentes de nossos antepassados assumem uma identidade de fé diferente, isso é parte da dinâmica da vida. Não nos cabe julgar. Apenas respeitar.
Neste culto não cultuamos pessoas ou antepassados. Estamos aqui para expressar a nossa profunda gratidão Deus, o doador e mantenedor da vida. Isso cremos e afirmamos em nossa fé. Agradecemos por nós, e por tantos descendentes ausentes, por fazermos parte e sermos também fruto de uma história de ruptura, de abandono de um espaço de vida em direção a um outro contexto geográfico – o contexto brasileiro.
Este culto, este evento de congraçamento não quer comunicar que somos melhores ou superiores a outras familiares que seguiram caminhos semelhantes. A melhora na nossa auto-estima e no valor próprio são importantes para encarar os desafios do dia-a-dia. Cria uma identidade pela conexão entre os esforços e lutas passadas e o presente. Agora, quando esta afirmação se transforma em orgulho e sentimento de superioridade, semeia-se o veneno da exclusão, do desrespeito e da discriminação que, como sabemos, corrói as relações humanas.
O que toda essa história tem a ver com a fé cristã? A tradição bíblica é o registro, o testemunho de como pessoas migrantes e em movimento experimentaram, com altos e baixos, a fé em Deus. Um povo relativamente pequeno no Oriente Médio moldou e cristalizou uma fé que fez e faz sentido para milhões de pessoas. A fé em Jesus Cristo deita raízes na tradição de um povo que anda, que se movimenta e se desloca no espaço geográfico. Nesta itinerância, a cada dia, a cada estação, a cada ano encontra motivos de gratidão. Apesar de doenças e mortes, de tensões e conflitos, homens, mulheres, jovens e crianças agradecem e renovam a sua confiança em Deus.
Leitura de Romanos 4. 16-18.
Abraão é apresentado como exemplo, como modelo de alguém que sai de sua terra por causa de uma promessa. O que ele leva consigo? O que faz parte de sua caminhada? A fé que espera. Em meio às contrariedades, às dificuldades e problemas Abraão creu que as adversidades poderiam ser superadas.
Li nestes dias uma pequena história. Dois amigos se encontram e começam um diálogo.
- Sabe de uma coisa? As pessoas se acostumam e repetem aquilo que vêem em um filme e esquecem a realidade.
- Não estou entendendo?!
- Você se lembra do filme “Os Dez Mandamentos”?
-Ah! Sim. Aquele em que Moisés levanta o cajado, as águas se abrem e o povo passa pelo mar Vermelho.
- Aí é que você se ilude. Na Bíblia está escrito de forma diferente. Lá diz que Deus disse a Moisés: Diga aos filhos de Israel que marchem (Êxodo 14.15) . Depois que o povo se colocou em movimento é que Moisés levantou o seu cajado e as águas se abriram.
Prezados/as irmãos/ãs! O caminho se abre para quem tem a disposição de caminhar.
A partir da fé cristã reconhecemos e confessamos que somos transitórios, provisórios, caminhantes que dizem não ter cidade permanente, mas buscam a que está a sua frente (Hebreus 13.14). Se olharmos para os 140 anos, o que é a nossa vida? Muito pouco. Somos gratos porque podemos seguir nos passos da fé daqueles que nos antecederam. Podemos ser gratos porque podemos crer e esperar quando muitas vezes não há mais razões para isso. Somos filhos/as da promessa que se realiza e, ao mesmo tempo, filhos/as da promessa que está diante de nós. Temos na história familiar expressões e exemplos de centenas de pessoas que, apesar de sua precariedade, se voltaram e se voltam continuamente para o Autor da Vida e encontram forças para seguir em frente.
Que a graça de Deus acompanhe a nós e nossos filhos neste caminho! Amém.
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